Setembro Amarelo: Falar é o melhor caminho para a prevenção ao suicídio
Estamos chegando ao final do Setembro Amarelo, iniciativa de visibilidade e prevenção ao suicídio lançada em 2014 por meio de uma associação entre o Centro de Valorização à Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), estendendo a concientização do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que ocorre no dia 10 de setembro desde 2003.
Estatísticas Alarmantes
Segundo levantamento feito pela OMS, cerca de 800 mil suicídios são registrados por ano, resultando em uma média de um óbito a cada 40 segundos. No Brasil, apenas no ano de 2016, estima-se uma média de 31 mortes por suicídio por dia, totalizando mais de 11 mil pessoas que atentaram contra a própria vida, de acordo com dados sobre tentativas e óbitos por suicídio divulgados pelo Ministério da Saúde na última quinta-feira (20). O país figura em oitavo lugar no hanking de países onde as pessoas mais se suicidam.
O levantamento foi feito pela primeira vez em 2017, com dados sobre os suicídios ocorridos em 2015. A finalidade do estudo é estabelecer as principais causas dos atentados à própria vida, grupos de risco e métodos utilizados, para uma prevenção mais efetiva que possibilite o cumprimento do acordo com a OMS de reduzir o número de suicídios em 10% até 2020.
O relatório aponta um aumento no número de suicídios no Brasil de 2,3% em um ano, mas especialistas acreditam que o número de mortes por auto-extermínio seja ainda maior, ou até mesmo impossível de se averiguar. A diretora de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde (DANTPS) do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, declarou: "Estimamos um subdiagnóstico de 20% de mortes por suicídio. Temos ainda mortes que são classificadas como de intenção não determinada, e não sabemos se foi um acidente ou uma tentativa de suicídio que levou à morte".
Entre 2007 e 2016 foram registrados 106.374 óbitos por suicídio no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 a cada 100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 suicídios. "É importante a análise desses dados, pois é uma questão de saúde pública que tem se agravado no país, principalmente para que possamos diminuir o preconceito e o estigma nas pessoas que tentam o suicídio. Esses números vão ajudar a chegar aos principais focos para que possamos identificar melhor as causas e qualificar as nossas ações de saúde pública", afirma Marinho.
Também houve um aprofundamento nas investigações sobre tentativas por meio de intoxicação exógena, como abuso de drogas, álcool e até mesmo agrotóxicos. Nos últimos doze anos, 46,7% dos registros de intoxicação exógena foram por tentativas de suicídio. As regiões brasileiras do Sudeste e Sul lideram o número de casos de intoxicações exógenas com objetivo de óbito, com 49% e 25%, respectivamente.
Segundo o Dr. Cirilo Tissot, psiquiatra e diretor técnico da Clínica Greenwood, que falou com exclusividade ao Canaltech, embora a expectativa de vida das pessoas esteja maior hoje em dia do que há cinquenta anos, a expectativa de vida de pessoas com transtornos mentais está 10 anos mais baixa, sendo uma evidência de que os avanços científicos da medicina não contemplaram à psiquiatria. "O suicídio é um fenômeno multicausal que resulta de uma interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos, sociais, culturais e econômicos. É uma das mais importantes causas preveníveis de mortalidade no mundo. Por esta razão, um crescente esforço científico tem sido registrado para identificar estratégias preventivas e tratamentos efetivos para ideação e comportamento suicida", afirma Tissot.
Suicídio e tecnologia
Com a ascensão da inclusão digital, ficou mais fácil para pessoas em desespero conseguirem ajuda especializada ou apoio dos entes queridos. Contudo, a tecnologia também pode deixar indivíduos em situação de risco ainda mais vulneráveis a ataques.
Em 2017, o jogo virtual Baleia Azul causou mais de 100 suicídios ao redor do mundo. Criado na Rússia, o desafio online fez com que jovens adotassem comportamentos autodestrutivos, como a automutilação, e a etapa final exigia que os participantes atentassem contra a própria vida. No Brasil, como contra-medida, foi lançado o Baleia Rosa, um jogo de desafios positivos que visava criar uma cultura de autocuidado e preservação.
Já em julho de 2018, um número desconhecido utilizando uma foto assustadora e o nome Momo adicionava pessoas no WhatsApp e enviava ameaças às vítimas e seus familiares. Com o caso viralizando, começaram a surgir diversos perfis com a mesma foto de Momo, alguns deles enviando ordens a adolescentes para que se mutilassem.
A Momo fez vítimas até mesmo no Brasil: em setembro, uma adolescente de 13 anos, moradora de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, foi forçada a mutilar os próprios pulsos e enviar imagens do ferimento, após receber uma ameaça por meio de um perfil no Facebook. Segundo a garota, as ameaças eram seguidas de demonstrações que a pessoa por trás do perfil sabia seu endereço e até mesmo o nome dos familiares que moravam na mesma casa que a vítima. Em agosto, um garoto de 9 anos também de Pernambuco havia se enforcado devido a um desafio virtual feito por um perfil com a imagem e o nome de Momo.
As redes sociais também têm sido utilizadas para exibir auto-extermínios ao vivo. Já houve casos de transmissões no Facebook e também no Instagram. No YouTube, além do streaming ao vivo de mortes e tentativas de suicídio, houve também o caso de Logan Paul, youtuber que foi até Aokigahara, no Japão, que é um local conhecido como "Floresta dos Suicídios" por ser destino de pessoas que desejam tirar suas próprias vidas. O youtuber acabou veiculando um vídeo que mostrava o corpo de uma vítima. A plataforma de vídeos puniu o vlogueiro, que perdeu seu status de parceiro preferencial.
Prevenção e ajuda
Caso você esteja sofrendo de ideações suicidas, ou conheça alguém que pode estar passando por esse momento, uma das opções de atendimento emergencial em caso de crises iminentes é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que possui acolhimento gratuito por telefone no número 188 e pelo chat do site. Entretanto, como o CVV é uma iniciativa sem fins lucrativos que depende de prestadores de serviços voluntários para atender à demanda, nem sempre é possível conseguir atendimento rápido por lá. Uma alternativa para situações de emergência é recorrer aos Centros de Atenção Psicosocial (CAPS), presentes em todos os municípios e com atendimento público associado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Entretanto, o acompanhamento cotidiano é extremamente indicado para pessoas que já tenham experimentado impulsos de atentar contra a própria vida, a fim de se evitar o agravamento dos sintomas. Há grupos terapêuticos especializados em hospitais e ONGs, além de também ser aconselhável buscar sessões individuais de terapia, o que raramente é ofertado no SUS. A saída, frente a essa omissão do Estado, é recorrer às clínicas-escola associadas a instituições de formação em psicologia, que geralmente ofertam apoio psicológico à população local.
Segundo o Dr. Cirilo Tissot, "o esclarecimento e sensibilização da população sobre o tema suicídio facilita a quebra de tabus e ideias preconcebidas sobre o tema, favorecendo o aprendizado do que fazer frente a uma pessoa que dá sinais de ter pensamentos suicidas, criando uma rede de suporte, noção de doença e possibilitando o encaminhamento efetivo para tratamento especializado. Frases como: "Quem quer se matar não avisa" ou "Só quer chamar a atenção" neutralizam a tentativa de quem está sofrendo de receber ajuda lícita e a compreensão de outros para ativar o suporte familiar e social".
No caso de crianças e adolescentes que estejam enfrentando ideação suicida, é necessário que os cuidadores se mantenham atentos a mudanças de comportamento, como alterações bruscas de humor, isolamento social, frequentes crises de choro ou uso de roupas largas e com mangas compridas para esconder ferimentos autoinfligidos. Também é recomendável monitorar de forma não invasiva as postagens em redes sociais, pois as vítimas por suicídio tendem a abordar o assunto diversas vezes antes de partirem para as tentativas de fato, em busca de ajuda.
O mais importante, entretanto, é manter o canal de diálogo aberto, evitando julgamentos ou reprimendas. Também não é aconselhável invadir a privacidade dos jovens que enfrentam problemas com a ideação suicida, como ler diários ou conversas particulares, para não agravar a sensação de falta de confiança, que pode ser um incentivo à morte. "Determinar um espaço e ter tempo para uma conversa íntima, demonstrando entendimento e compreensão do que está sendo relatado parece ser de grande ajuda. Nesta conversa, evite julgar. Demonstrar, acima de tudo, que você se importa, promove a confiança na relação, onde a pessoa passa a sentir que poderá contar com sua ajuda. Propicie a pessoa encontrar, por ela mesma, pontos positivos e razões para viver. Convide e incentive a pessoa a lhe ajudar em tarefas, onde ela possa perceber um senso de utilidade e ajude no encaminhamento para um tratamento especializado em centros de atenção psicossociais", afirma o Dr. Cirilo Tissot.
O acompanhamento psicológico para familiares, amigos e parceiros afetivos de pessoas que lutam para sobreviver aos impulsos suicidas também é aconselhável. Segundo o Dr. Tissot, "o trabalho de posvenção para com os sobreviventes, nome dado às pessoas próximas, familiares, amigos e profissionais de saúde que se sentiram afetados pela consumação do suicídio, diminuem a possibilidade de contágio e a incidência de novos casos nos dias subsequentes".
Tecnologia para prevenção
O Dr. Cirilo Tissot explica que "a pessoa com ideação suicida precisa encontrar alternativas assertivas e viáveis para cessar o sofrimento, apesar da sua descrença e desesperança. Estas alternativas lhe serão dadas por profissionais da área de saúde mental capacitados e treinados no tema, representados por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, etc. No caminho para a reabilitação, ter pessoas próximas que saibam reconhecer o pedido de ajuda e oferecer apoio e solidariedade no enfrentamento do sofrimento e busca por novas soluções parece melhorar sobremaneira o prognóstico". Com a diminuição do tabu que as campanhas de Setembro Amarelo têm causado, iniciativas bacanas de aplicativos e sites para ajudar quem enfrenta o problema têm sido desenvolvidas, muitas delas por equipes de voluntários visando fazer o bem acima do lucro no badalado mercado de apps.
Um desses casos é a incubadora de projetos digitais Apps do Bem que recebe ideias de aplicativos voltados para o bem estar e conecta esses projetos a desenvolvedores, designers e outros profissionais voluntários disponíveis para materializar as invenções benéficas. Criada em 2016, a Apps do Bem já disponibilizou o primeiro resultado das parcerias, o aplicativo Ajuda Já, que visa "dar voz a quem está buscando ajuda na hora de uma tentativa de suicídio", aumentando assim os casos de sobrevivência durante crises. Ainda disponível apenas para ambientes iOS, o app pode ser baixado gratuitamente na App Store e é compatível com iOS 8.0 ou posterior nos iPhones, iPads e iPods Touch.
O aplicativo Ajuda Já funciona como um botão de emergência fácil de ser acionado em caso de crises de impulsos suicidas. Basta baixar o aplicativo e configurar os três contatos que devem receber notificações para acionar ajuda em caso de crise. Daí, no momento crítico, basta apertar o botão e pronto, o aplicativo envia avisos aos contatos previamente seleconados.